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CABALA

 

Já falamos das três letras mães, as sete duplas e as doze simples do alfabeto hebraico. Logo a seguir, apresentamos três quadros onde essas letras figuram com seu lugar no alfabeto, seu valor, e em particular com um determinado signo ao que estão vinculadas de modo simbólico.

Recorde-se o leitor que a Cabala constitui um manancial de inter-relações e associações de imagens que possibilitam a faculdade de conhecer de maneira intuitiva e direta.

As três mães são:
 
LUGAR NOME VALOR SIGNO
1 Alef 1 O homem
13 Mem 40 A mulher
21 Shin 300 A Flecha
 
As sete duplas são:  
 
LUGAR NOME VALOR SIGNO
2 Beth 2 A boca
3 Guimel 3 A mão que pega
4 Daleth 4 O seio
11 Kaf 20 A mão que aperta
17 Fe 80 A boca e a língua
20 Resh 200 A cabeça do homem
22 Tav 400 O tórax
 
As doze letras simples são:
 
LUGAR NOME VALOR SIGNO
5 He 5 O alento
6 Vau 6 O olho e a orelha
7 Zayin 7 O camelo
8 Heth 8 Um campo
9 Teth 9 Um telhado
10 Iod 10 O índice
12 Lamed 30 O braço aberto
14 Nun 50 Um fruto
15 Samekh 60 Uma serpente
16 Ayin 70 Um laço
18 Tsade 90 Um telhado
19 Qof 100 O machado

Nota: Em diferentes interpretações cabalísticas, estes signos adquirem diversos significados em virtude das diferentes associações às quais se prestam e fundamentalmente quanto à pluralidade de sentidos que os símbolos possuem, sem que tenham porque se invalidar uns em benefício dos outros.
 
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A ALMA

 

Números e letras conjuntamente formam um código gráfico cuja origem é teúrgica, já que nas primeiras expressões deste tipo as grafias são "mágicas" para passarem, posteriormente, a ser ideogramáticas, ou seja, que expressam seus próprios sentidos conceituais. A multiplicação destes signos e sua alteridade fazem possíveis (por exemplo, na escala numérica pitagórica) todas as combinações e, portanto, seu discurso indefinido, ou seja, que fixam simbolicamente a totalidade cósmica, mediante um "sistema" no qual nada fica excluído, salvo o que nunca poderá ser exprimido, origem de qualquer manifestação. Esta é a realidade do símbolo, que revela a ordem criacional na qual todos os seres se acham compreendidos (e numerados como nas cédulas de identidade, onde se utiliza ademais uma convenção como as impressões digitais, que também não podem repetir-se em sua combinatória, valha a comparação). Os pantáculos (pequeno todo) igualmente condensam e cristalizam, tal qual a simbólica alquímica e hermética (Boehme, Agrippa, etc.). Deve ser assinalado que esta atividade talismânica se encontra em todos os povos. Só destacar a escritura maia e os hieroglífos egípcios. Desta forma se encontra viva na atualidade entre os povos "primitivos".

Segundo isto, a alma humana também seria um número que se individualizaria numa cifra –ou selo– onde sempre está presente a unidade, como a deidade está constantemente implícita de modo imanente no desenvolvimento de qualquer discurso genésico.

Mais além deste discurso, nada entra nem sai, nem nada existe de nenhuma forma, inclusive a alma individual ou universal, a qual, portanto, não vai a nenhum lugar. Pelo que, unida a alma à manifestação, devemos situá-la no plano intermediário entre o Criador e sua obra. Se isto é assim, a alma deve conquistar para si, ou seja, adquirir-se um "corpo de luz", pois esse é o meio "plástico" (por dizê-lo de alguma maneira) que nos leva ao Ser, que é identificado de modo natural com a Unidade aritmética, o que é, por sua vez, o passo necessário para a concepção do Não Ser –o En Sof da Cabala– e finalmente a da Não dualidade, que é verdadeiramente o que os indianos entendem como Suprema Identidade. Nesta última tradição, igualmente que em muitas outras, esta conquista ou "ativação" das potências da alma (o "polimento da pedra" na Maçonaria), é uma possibilidade que cada ser porta em si mesmo, e também uma realidade que compete especificamente ao homem, daí a necessidade unânime de trabalhos, provas e ritos que efetivam esta União com o Ser, a ontologia como passo prévio ou suporte da metafísica, ou seja o sacrifício desse Ser (que desde então já não é um simples ego) no altar da "nuvem do não saber". Supõe-se que esta é a última entrega e também o sentido da alma individual, como veículo, símbolo, ou número, ou seja, como a assinatura do Criador –Verbo ou Logos– no mundo; um veículo de acesso ao Espírito, quer dizer, para a dissolução naquilo que tudo fundamenta, mas que, desde então, não existe, tal qual os objetos que os sentidos percebem ou o cérebro elabora. Desta forma, notar a grande quantidade de confusão que se produz com respeito a estas noções que, em geral, as religiões abraâmicas desconhecem.

Se o Mistério mais profundo, ou seja, a manifestação do Não-Ser no seio da Criação, é compatível –e ainda coetâneo– com o Imanifestado, igualmente a alma, que, em seu conjunto, não é individual, concentra-se num ponto onde se sintetiza, constituindo o Ser, como o símbolo mais claro da Unidade, a partir da qual tudo é gerado, ainda no âmbito das possibilidades supracósmicas.

Com freqüência se esquece que todas as coisas podem ser e não ser ao mesmo tempo. Depende às vezes de que se adote um ou outro ponto de vista.

A conquista da alma é chegar ao próprio Destino, ou seja, ser o que sempre se foi.

 
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GRÉCIA

 

No ponto de intersecção entre o extremo da Europa, Ásia Menor, e África (Egito), a origem dos povos gregos ou helenos é indo-européia e, através desta e da corrente tradicional (Apolínea) vinda do Norte, a Tradição Grega expressa uma das confluências da Tradição Primordial e da Atlante. Esta união das tradições é uma origem, um oriente [articulado dos séculos VII a V] para um tempo posterior, que através do Império Romano, e das sucessivas recorrências à Antigüidade que se darão na história, levará os mistérios ao Ocidente, numa base de pensamento mítico. O pensamento antigo, representado por Homero (Ilíada, Odisséia) e Hesíodo (Teogonia, Os Trabalhos e os Dias), recolhe uma Teogonia e uma Cosmogonia arcaicas, expressadas também através de uma geografia sagrada que é a da Antiga Grécia, e nas quais se conserva a memória das 4 Idades da Humanidade, designadas com os nomes dos metais que simbolicamente lhes correspondem, Ouro, Prata, Bronze e Ferro. À ordem, ou cosmos tradicional estabelecido por aquelas, unir-se-á mais tarde Apolo, deus da luz, da unidade polar e portanto da harmonia, sendo Delfos o centro de toda Grécia, o omphalos (umbigo), sustento da unidade dos povos que a formavam, enquanto Elêusis e outros santuários análogos constituíam o coração, sendo os depositários e transmissores dos Mistérios, nos quais se acham também as origens sagradas do teatro, pois eles constituíam a representação das façanhas dos deuses e dos homens no cumprimento do destino, que tem por modelo a consecução de uma plenitude que corresponde a sua Identidade Suprema. São os mistérios de Dionísio, vinculados com os Órficos, anteriores, e traduzidos posteriormente na epopéia da alma do homem e do mundo, recriada nos de Elêusis; e são desta forma expressados de outra maneira, os do Número, que constituíram a essência do pensamento pitagórico e que se reproduzirão na Teoria das Idéias de Platão.

Sócrates, mestre de Platão e herdeiro da essência supraformal do conhecimento, será o que articulará esse pensamento na adaptação a que teve lugar simultaneamente em todo o globo, no século VI antes de Cristo; sua dialética, não obstante, será a arte do obstetra, como ele definia sua função. O pensamento grego, recolhido por Roma e revivificado pelos hermetistas e neoplatônicos do Renascimento, transmissor também do pensamento egípcio graças a Hermes, é um dos que formam o Ocidente. Tanto hoje como ontem, superar sua leitura profana, representada ultimamente na história dos recentes quatro séculos, é ter acesso ao âmbito do espaço sagrado, regenerado pela Iniciação que remonta o homem à Idade de Ouro. Já em seu tempo, a visão platônica foi irrealizável, como a própria morte de Sócrates anunciava, e os males da Grécia histórica, o materialismo, o racionalismo, a falsa dialética, e a preeminência outorgada à quantidade, são como outros os de um fim de ciclo, e os de um mundo profano que não vai em seus estudos além de Aristóteles, com o qual a ontologia se reduz a uma perspectiva materialista, e a identidade do ser e do conhecer só se acentua em seu reflexo analítico, ainda que lhe corresponda também ao ordenamento de boa parte dos aspectos particulares, que é tal quando não progride à sistematização.

Sua mitologia, as histórias de seus deuses e seus heróis e heroínas, informaram a alma do Ocidente e alimentaram as imagens de nossa cultura, e tudo isso ainda quando a "estética" tenha ocultado o símbolo e, inclusive, tenham sido invertidos os autênticos valores que eles encarnavam.

 
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ROMA  I

 

Roma aparece no palco da história quando os povos da Hélade grega, que descendiam em grande parte da Tradição primordial (o culto que estes professavam ao Apolo hiperbóreo e ao Zeus olímpico é um exemplo disso), estão em plena decadência crepuscular. Já nas origens míticas de Roma encontramos a importante herança dos povos helenos, pois como conta Virgilio na Eneida, o príncipe troiano Enéas –herói solar como Herakles-Hércules– é eleito por Júpiter para fundar na região do Lácio ("onde antanho Saturno manteve seu cetro...") uma colônia da qual surgiria posteriormente Roma. Por outro lado, na mesma Eneida (livro VI) conta-se que de Enéas surgiria a estirpe da qual descenderão os maiores estadistas e imperadores romanos, entre os quais destacamos a Julio César e seu sobrinho César Augusto.

Da mesma forma, quase todos os nomes dos deuses romanos foram versões latinizadas dos gregos: Saturno por Cronos, Júpiter por Zeus, Marte por Ares, Mercúrio por Hermes, Vênus por Afrodita, Minerva por Atenas, Baco por Dionísio, etc. A mesma influência está presente nas artes, na literatura e na filosofia. Neste sentido é notória a influência de Platão e seus sucessores sobre Cícero, Varrão, Sêneca, Ovídio, Horácio e o já mencionado Virgílio, o "príncipe dos poetas latinos", sem nos esquecer de todos aqueles filósofos e teúrgos romanos ou romanizados que como Nigidius Figulus, Ário Dídimo, Quinto Sextius, Cornelius Celsus e Apuleio (iniciado nos mistérios dos sacerdotes egípcios e conhecedor das doutrinas herméticas surgidas em Alexandria), fizeram parte da escola neoplatônica e neopitagórica, contribuindo à difusão de seu pensamento por todos os cantos do Império. Inclusive alguns imperadores, como por exemplo Juliano, participaram inteiramente das idéias platônicas.

 

fig. 25


Pesando tudo isso, não se deve pensar que a civilização romana fora uma cópia calcada da grega. O que, sim, é verdadeiro é que a partir de um dado momento ambas constituíram uma só cultura, a greco-latina, que longe de desaparecer continuou viva no Ocidente até os próprios alvores dos tempos modernos.

No entanto, se nos referimos à tradição romana em si mesma vemos que esta pertence ao grande tronco da civilização indo-européia, do qual surgiriam também os povos celtas, indianos, gregos, germânicos e tantos outros, todos os que tinham um vínculo mais ou menos direto com a tradição primordial. Esse vínculo se manifesta claramente nas origens históricas de Roma com a existência dos sete reis legisladores, que são análogos aos sete Rshi da tradição indiana, seres míticos encarregados de conservar e transmitir a Sabedoria e o Conhecimento em cada novo ciclo da humanidade. E isto é o que representam os sete reis com relação a Roma: transmitem a esta as idéias-força que permitirão o desenvolvimento de sua civilização. Este é o caso de Numa, que cria o colégio sacerdotal e o primeiro calendário, e é significativo que seu nome esteja invertido silabicamente com respeito ao de Manu, que na tradição indiana simboliza o Ancestral e Legislador primordial, como se efetivamente a função de Numa em relação a Roma fora idêntica à de Manu com respeito ao conjunto da humanidade.

Mas o fundador de Roma, aquele que traça os limites sagrados da cidade e do qual deriva o nome da mesma, não é outro que Rômulo, o primeiro dos reis legisladores. Foi capaz, com a força espiritual que outorga o saber-se possuidor de um destino unido ao supra-histórico e transcendente, de infundir nos povos itálicos (contando entre eles os etruscos e os sabinos) a idéia do Império sob o estandarte protetor da águia, ave celeste e divina por excelência. Na realidade, o Império corresponde a uma antiqüíssima concepção tradicional que se remonta às próprias origens da humanidade, e segundo a qual aquele representa a expressão da ordem celeste e urânica sobre a terra. Nas mais altas culturas tradicionais se menciona, sob diferentes nomes, um mítico "Império do Meio" onde reside o Monarca Universal (o Chakravartî hindu e budista), o Rei de Justiça e de Paz, o Rei do Mundo, que não é outro que o Verbo divino do qual emana a Lei Eterna reguladora da harmonia e da ordem da criação.

 
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AS MUSAS  II

 

No cume do Helicon, montanha sagrada ao norte do Olimpo, achava-se o altar de Zeus, e em seus declives, as fontes que davam a inspiração poética a quem bebia delas (como a de Hipocrene, surgida da rocha por um coice de Pégasus, ou a de Aganipe), de cujas azuladas águas (da cor do éter) também as Musas bebem quando, cansadas, renovam seu vigor depois de dançar em seus prados, nos quais às vezes se manifestam aos homens; também se encontrava naquele Monte o sepulcro de Orfeu, as estátuas dos principais deuses, e o bosque sagrado dedicado a elas e onde, anualmente, eram celebradas junto a Cupido. Em seus brincos se acham as plantas fragrantes, que têm a propriedade de privar às serpentes de seu veneno; em seus declives, como nos do Pindo e do Parnaso, costuma apascentar Pégaso. Também neste último Monte, brotam as fontes da inspiração profética: a de Castália, cujas águas se utilizavam como purificação em Delfos, e se davam ali de beber à Pythia, mana em meio a dois cumes, um dos quais está consagrado a Apolo e às Musas e o outro a Dionísio-Baco. A ambos, invoca-os Dante quando começa a cantar a ascensão que narra a terceira e última parte de sua Comédia.

De suas batalhas, diz-se que venceram em duelo às nove filhas de Pierio, humanas e mortais, que as tinham desafiado no canto, e a quem privaram de seu nome. Também que num duelo semelhante despojaram às Sereias de suas asas e se coroaram com suas plumas, caindo aquelas ao mar. Não obstante é importante assinalar que para Platão (no Mito de Er) e os Neoplatônicos (Proclo) cada Sereia se relaciona com uma das esferas e seu canto à rotação destas, que movem com suas asas, enquanto as Musas presidem sobre cada uma delas na ascensão vertical. Segundo os platônicos, não ouvimos aquelas notas porque soavam quando nascemos e não dispomos de um silêncio capaz de contrastá-las; daí, no entanto, o silêncio sagrado revelado no interior do bosque e vinculado para os gregos com o deus Pã. E bem como a luz solar é um símbolo da Luz Inteligível, há um som não sensível que é a imagem do Logos, da Palavra ou Verbo criador, cujos intervalos ou proporções encontram seu eco no coração do ser humano, veiculando os ensinos que só as Musas outorgam, pois o Cosmos é a Música revelada ao homem:

"Ser instruído na música, não consiste senão em saber como se ordena todo o conjunto do universo e que plano divino distribuiu todas as coisas: pois esta ordem, na qual todas as coisas particulares foram reunidas num mesmo todo por uma inteligência artista, produzirá, com uma música divina, um concerto infinitamente suave e verdadeiro" (Asclépio, 13).

 
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MITRA

 

Deidade de origem índo-iraniana e caldaica (vinculado a Varuna, o Céu, e formando em ocasiões casal com Ahura-Mazda, o deus salvador, em sua luta com Ahrimán, o aspecto tenebroso da criação), Mitra foi adotado por Roma como um de seus principais númenes tutelares, até o ponto de ser considerado como o "protetor e sustento do Império". É de destacar que a época de seu maior apogeu (entre os séculos I e IV) coincide com o florescimento das doutrinas herméticas, gnósticas e neoplatônicas alexandrinas, com as quais o mitraísmo teve sem dúvida seus contatos, beneficiando-se de muitas de suas idéias. Contatos que também existiram com o cristianismo incipiente, como o demonstram as numerosas analogias entre as figuras de Mitra e de Cristo, já observadas por alguns pais da Igreja, como Justino e Tertuliano.

Sua festa principal se celebrava no 25 de dezembro, dia do solstício de inverno, coincidindo assim com o nascimento do "sol invencível" e vitorioso das trevas (dies natalis Solis invicti Mitra). Segundo a lenda, Mitra nasce da "pedra" (petra genitrix) à beira de um rio, portando em suas mãos a espada e a tocha, símbolos associados à Justiça e à purificação pelo fogo e pela luz da Inteligência. Trata-se, pois, de uma deidade eminentemente solar (os gregos chegaram a vinculá-lo com o próprio Apolo, e também com Hércules), o que está claramente indicado na própria raiz mir constitutiva de seu nome, que significa "sol". Assim o testemunha o imperador Juliano (iniciado nos mistérios mitraicos pelo filósofo neoplatônico e pitagórico Máximo de Éfeso) quando se dirige a Mitra nestes termos: "Este Sol, que o gênero humano contempla e honra desde toda a eternidade, e cujo culto faz sua felicidade, é a imagem viva, animada, razoável e benfeitora do Pai Inteligível". Outro significado de seu nome é o de "chuva", mas entendida em seu aspecto de "orvalho" vivificador, símbolo do descenso das influências espirituais.

Num antigo hino iraniano se diz que Mitra está sempre desperto e vigilante, observando cuidadosamente todas as coisas. Vai à chamada dos débeis, e seu poder é empregado sempre a favor do gênero humano. Mitra é, efetivamente, o amigo e protetor dos homens, o que lhes infunde as virtudes heróicas: o valor, a força interior, a lealdade, a fraternidade, e como deidade intermediária entre o mundo superior e o inferior, é também (tal qual Hermes) o guia que os conduz em sua ascensão para a origem através das esferas planetárias. Neste sentido, assinalaremos que entre os romanos os mistérios de Mitra se dividiam em sete graus, em correspondência com a escala planetária, mas disposta na ordem seguinte: Lua, Vênus, Marte, Júpiter, Mercúrio, Sol e Saturno. Ditos graus recebiam os nomes de Corvo (Corax), Oculto –ou Noivo– (Cryphius), Soldado (Miles), Leão (Leo), Persa (Perses), Correio –ou Companheiro– do Sol (Heliodromus), e por último Pai (Pater). Os três primeiros constituíam um período de preparação, durante o qual o adepto devia morrer para sua condição anterior, o que está claramente expressado pelo Corvo, cuja cor escura simboliza precisamente a fase de nigredo ou morte alquímica. Durante esse período, era instruído pela "força forte das forças" e pela "Reta incorruptível", instando-lhe a um "persistir da potência da alma numa pura pureza". Os mistérios culminavam com a obtenção do grau do Pai, através do qual –como hierofante (pater sacrorum, pater patrum) e chefe da comunidade mitríaca– atingia-se o Princípio incondicionado, morada dos Bem-aventurados, "aonde já não existe um aqui ou um ali, senão que é calma, iluminação e solidão como num oceano infinito".

Os ritos se celebravam em cavernas e criptas subterrâneas chamadas mitreums, que constavam de dois níveis, um superior e outro inferior, representando respectivamente o céu e a terra. Nessas criptas se encontravam figurados os símbolos fundamentais da cosmogonia hermética: os círculos planetários, a roda zodiacal, e os ciclos dos elementos, onde o fogo aparecia como o principal agente purificador. Em cima do altar, encontrava-se a efígie de Mitra no momento de imolar com sua espada o touro primordial ("Mitra tauróctono"), cujo sangue vertido em terra a fecundava, surgindo dela o trigo e o "pão de vida", alimento de imortalidade. Como manifestação da potência geradora da natureza, este animal é também o símbolo dos influxos lunares e telúricos, que determinam a existência do mundo inferior, e que no homem se expressam através de sua ânima ou energia vital. É dita energia, em seu estado de "pedra bruta", que Mitra "doma" e "sacraliza" quando cavalga o touro, direcionando-a num sentido superior, até convertê-la no motor ou fogo sutil que faz possível a transmutação e a regeneração.

 
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EXERCÍCIO PRÁTICO: MEDITAÇÃO EM AÇÃO

 

Demos uma seqüência constante de exercícios práticos de concentração, meditação e visualização, utilizando especialmente a Árvore da Vida como modelo ou mandala para os realizar. Também, seguimos com as práticas referentes ao Tarô, ao mesmo tempo em que ampliamos seu conhecimento. Os exercícios sobre o Tarô são particularmente interessantes, pois este extraordinário veículo esotérico promove tanto a visão como a sensibilização necessárias –em alguns casos quiçás imprescindíveis– para a efetivação dos textos e ensinos dados em Agartha, enquanto ele mesmo é um iniciador nas disciplinas herméticas.

No entanto, queremos agora insistir sobre um tema fundamental unido às disciplinas que nosso curso e suas lições comunicam. Referimo-nos a que todos os exercícios (que, como se pôde apreciar, estão unidos uns com os outros, entre si) têm por finalidade o trazer estas práticas à cotidianidade, ou seja, o efetuá-las em nossa vida habitual, qualquer que seja a circunstância na qual nos tenha tocado viver. Portanto, não devem ser tomados como rígidos, ou seja, como um fim em si mesmos, senão que devem ser considerados como veículos de Conhecimento. Qualquer advertência neste sentido não é demais, pois se considera importantíssimo não confundir o fim com os meios adequados para produzi-lo. Por outro lado, uma atitude dúctil com respeito a estes exercícios é recomendável, não quanto à perfeição desejável em sua realização, ou igualmente à conveniência e utilidade de efetuá-los, senão que esta flexibilidade seja uma adaptação que, de maneira individual, cada aluno faça em sua esfera própria. Dito de outra maneira: consideramos aos exercícios como valiosíssimos, já que se trata de meios de realização, mas queremos insistir na responsabilidade de nossos leitores no sentido de que estas práticas podem ser perfeitamente transladadas às múltiplas circunstâncias de sua vida cotidiana e efetuadas com uma margem de interpretação criativa, enquanto se atam aos mesmos modelos tradicionais que Agartha oferece, e sejam executadas com a boa vontade e o rigor que elas merecem, sem que somente os alunos se rejam pela literalidade de seu exercício, aferrando-se a elas, como quem se identifica só com a letra morta de determinados textos.

Os exercícios podem ser feitos em movimento: tanto caminhando, como correndo, ou ao ritmo de uma "ginástica" que o aluno possa adaptar ou recriar. Também estas práticas de respiração e visualização podem fazer-se em postura horizontal e efetuar-se tanto no solo como no leito ou na banheira. O importante é não as descuidar por um só momento em nosso dia, e realizá-las com fé e alegria quando tenhamos tempo disponível para isso.

 
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JESUS

 

Jesus nasce no seio do povo judeu, e sua linhagem se remonta aos reis de Israel, à casa de David, da qual descende. Seu nome hebraico, com o agregado do grego Cristo, identificam àquele que, enviado do Pai para a Redenção e a Salvação da humanidade, gostava de se chamar "Filho do Homem", evidenciando assim sua dupla natureza, divina e humana, arquétipo da composição dual do homem, símbolo vertical e axial da comunicação céu-terra, fato a imagem e semelhança de seu Criador. Jesus nasce oculto num humilde lugar e é visitado e adorado por três reis e magos que, seguindo a luz da estrela, chegaram a conhecê-lo. Depois vai crescendo em sabedoria e bondade e depois de atravessar vários perigos, nos quais seus pais o protegem, quer ser batizado por seu primo João, o asceta que vive no deserto, que batiza com água, enquanto ele batizará com fogo, com seu sangue sacrifical simbolizado pelo vinho. Dali em diante, desenvolve-se uma história iniciática recolhida pelos Evangelhos pontualmente e onde prima o sentido esotérico sobre qualquer outra coisa, a tal ponto que se não fora por este sentido resultaria absurdo o que se afirma neles, por contraditório, obscuro e confuso. Nos Evangelhos floresce o conhecimento da autêntica tradição de Israel, aquela que deu forma a Moisés, o Egípcio, e que o Salvador herda e plasma de acordo ao desenvolvimento do tempo e dos ciclos e ritmos de todo processo. Tudo está nos Evangelhos quando se os sabe ler. Seu enorme conteúdo emocional, e sua beleza excedem às interpretações racionais e materiais e nos apresentam a tremenda e magnífica semelhança do Homem-Deus e o paradoxal percurso de sua vida, que acabará no coração da cruz, depois de ter sido recebido triunfalmente em Jerusalém e depois de ter passado por provas e atravessado o Jordão várias vezes. Ali entrega finalmente a vida e o tempo e renasce definitivamente na Vida Eterna em comunhão com seu Pai com o que forma uma só e única substância revestida de um Corpo de Glória. Tal é aquele homem histórico e arquetípico, imagem viva do Cristo interno, Universal e Eterno, que disse: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida"; também deixou dito: "Procurai e encontrareis".

 
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ROMA  II

 

No Ocidente, foi necessária a chegada de Roma para que esta concepção sagrada do Império se fizesse uma realidade histórica, difundindo o ideal de civilização superior que encarnava e ao qual estava predestinada desde suas origens lendárias. Da Ásia Menor e Oriente Próximo até a Hispania, do Norte da África até os países germânicos, celtas e anglo-saxões, Roma implantou sua cultura e sua visão unitária do mundo, e graças à Pax romana os povos que estiveram sob sua órbita conheceram uma época de grande esplendor e florescimento cultural. E conquanto essa implantação se realizou muitas vezes mediante o uso das armas é porque para Roma (como para muitos outros povos tradicionais) a guerra tinha um sentido completamente diferente ao que se tem hoje em dia, começando porque se tratava de um rito ou um ato sacralizado. Essa concepção transcendente da guerra explicaria também por que Roma respeitava as tradições e os costumes ancestrais dos povos que conquistava.

Em relação com este último, um fato importante para se ter em conta é que antes de entrar em combate os romanos invocavam, mediante ritos apropriados, a presença ativa de seus deuses, com o fim de que fossem estes quem submetessem aos deuses respectivos de seus inimigos; ou seja, que a guerra se produzia primeiramente no plano invisível e espiritual, pois a conquista de um território, cidade ou país, implicava antes o domínio sobre seus deuses, que passavam a fazer parte do panteão romano, e à manutenção, portanto, da unidade do Império. Os antigos romanos sabiam perfeitamente que para conseguir essa unidade não bastava só com invocar a energia guerreira e combativa de Marte, senão que, acima desta, devia existir a energia integradora e benéfica de Júpiter, o pai dos deuses e legislador celeste dos homens, cujos distintivos são precisamente a águia imperial, o raio (eixo), a coroa e o trono.

O imperador encarnava em sua função e em sua pessoa essas energias, que o transfiguravam num ser dotado de poderes sobrenaturais e num intermediário entre o céu e a terra, assumindo a responsabilidade de governar seu povo segundo os atributos da Misericórdia e da Justiça divinas. Daí o título de Pontifex Maximus que ostentava. Por isso mesmo, quando os imperadores perdem essa função intermediária (os exemplos de Nero e Calígula são muito ilustrativos ao respeito) pode se dizer que Roma entra em sua decadência anunciando assim o fim de sua civilização.

Devemos considerar também o importante papel exercido por Roma no conjunto global da história sagrada, no sentido de que soube estender uma ponte entre Ocidente e Oriente, recolhendo neste sentido a herança deixada por Alexandre Magno. Uma divindade romana, Jano, (ver Módulo II, título N.º 94) aludia também a esta vinculação entre Ocidente e Oriente, ou seja, à complementação de opostos. Dos dois rostos que Jano possuía um deles olhava à esquerda (Ocidente) e o outro à direita (Oriente), abarcando com seu olhar os dois extremos do mundo, como projeção horizontal do eixo vertical único.

Jano era também o deus que presidia as iniciações artesanais, especialmente as quais tinham lugar entre os collegia fabrorum, ou corporações de construtores. Estes foram sumamente importantes no desenvolvimento da civilização romana, que, como já indicamos, assumiu grande parte da cultura grega, sobretudo no terreno da filosofia e das artes, e dentre estas, particularmente, a arquitetura. Precisamente a origem dos collegia fabrorum se remontava à época do rei Numa, que fora contemporâneo de Pitágoras, e receptor também de seus ensinos, como o atesta que em sua tumba aparecessem escritos de conteúdo inteiramente pitagórico. De fato estes collegia recebem do pitagorismo as ciências sagradas do número e da geometria, que eles plasmaram nos templos, basílicas e edificações de todo tipo, e que constituem o legado de uma cosmogonia (baseada no simbolismo construtivo) que permaneceu viva na cultura ocidental, graças a qual foi transmitido aos construtores medievais e renascentistas, dos que derivaria, junto ao aporte decisivo da Tradição Hermética, a Maçonaria que chegou até nossos dias.

 
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ALEXANDRIA

 

Quando no ano 332 a. C. Alexandre Magno chega ao Egito em sua expedição conquistadora para Oriente, funda no delta do Nilo, e depois de visitar no oásis de Siwa o oráculo do deus Amon (semelhante a Zeus-Júpiter), a cidade que leva seu nome: Alexandria. Esta aparece como o último grande centro da cultura clássica, o que determinará seu destino como cidade-ponte, que fará possível a comunicação da antiga sabedoria ao novo período histórico, que se abriria no Ocidente depois do desaparecimento definitivo do Império Romano. Por outro lado, seu famoso farol ficou na memória como um símbolo do que Alexandria representou para seu tempo: um foco de luz intelectual que irradiou sua força civilizadora para todos os confins do mundo mediterrâneo. Por essa razão sua influência se deixasse sentir em quem, mesmo não vivendo em Alexandria, não obstante estavam vinculados a ela como "farol" de sua época, tal o caso de Sêneca, Cícero, Virgilio, Ovídio, Moderato de Cádiz, entre tantos outros.

Sem dúvida ao esplendor cultural de Alexandria contribuíram de maneira decisiva a criação da Biblioteca e o Museu (Museion: "Templo das Musas"), que já desde sua fundação no século III a. C. atraíram sábios, filósofos, magos e teúrgos vindos de todos os lugares, chegando-se a conformar num momento dado a escola matemática de Alexandria, onde o pensamento científico e filosófico da tradição pitagórico-platônica se conjugou com o antigo saber egípcio e caldeu. Ali se ensinavam as artes liberais e cosmogônicas como a aritmética, a geometria, a música e a astronomia, de onde surgiram obras tão importantes como os Elementos de Euclides, que deram seu fundamento à geometria ocidental. A essa escola pertenceram igualmente o físico Arquimedes, os astrônomos e geógrafos Apolônio de Pérgamo (chamado por seus contemporâneos o "grande geômetra"), Eratóstenes, Aristarco de Samos, Hiparco de Rodes (descobridor para Ocidente da precessão dos equinócios, importantíssima para o conhecimento das leis cíclicas), Claudio Ptolomeu (a quem se deve o Almagesto ou Composição Matemática), Demetrio de Falera e Nicómaco de Gerasa, autor de uma Introdução à Aritmética e de um Manual da Harmonia (exposição da teoria musical pitagórica), que tanta influência exerceriam sobre Boécio, e através deste em toda a Idade Média e no Renascimento.

Alexandria brilha com especial intensidade nos três primeiros séculos de nossa era, já que nesse momento se vive um ressurgimento do neoplatonismo, ao mesmo tempo que se acaba de formar a Tradição Hermética graças à síntese dos ensinos do mítico Thot-Hermes Trismegisto com o próprio neoplatonismo, sem nos esquecer da presença de elementos procedentes das doutrinas orientais e das gnoses judaica e cristã. Podemos dizer que a partir desse momento o hermetismo e o neoplatonismo constituirão as duas referências fundamentais do esoterismo ocidental, e nenhum movimento ou individualidade que tenha sustentado e transmitido a Ciência Sagrada ao longo dos últimos dois mil anos foi alheio às idéias do Deus Hermes, de Pitágoras e Platão, conciliadas no "crisol alexandrino". Entre os muitos que encarnaram essas idéias devemos destacar, no século I, Fílon de Alexandria (que fez uma síntese entre o judaísmo e o neoplatonismo, antecipando-se nisso a muitos cabalistas medievais) e Apolônio de Tiana (que viajou pelo Oriente e pela Índia, e autor também de uma vida de Pitágoras); no século II a Téon de Esmirna, Máximo de Tiro, Apuleio (que escreveu As Metamorfoses), Numenio e Plutarco de Queronéia, autor de Ísis e Osiris e Vidas Paralelas; e no século III temos a Ammonio Saccas, fundador da escola platônica de Alexandria, considerada como a herdeira das que existiram na Grécia e na Itália nos tempos de Pitágoras e Platão.

À dita escola pertenceram nada menos que Plotino, Porfírio, Hermias e Jâmblico (que em seus Mistérios do Egito afirma que foi nos livros herméticos onde descobriu a libertação da alma de todos os laços do destino), Edésio de Capadocia e Plutarco de Atenas. Eles, e outros muitos, estenderam a doutrina por todo o mundo greco-latino, fundando escolas em Roma, Sicilia, Pérgamo, Éfeso, Sardes, Apamea (Síria) e Atenas, para citar as mais conhecidas. Na Academia de Atenas, e entre os séculos IV e V, sobressaem as figuras do já mencionado Plutarco, de Sinesio e de Proclo, iniciado nos mistérios platônicos e teúrgicos por Asclepigênia, filha de Plutarco. Proclo é autor de uma ingente obra entre a qual destaca seus Comentários aos livros de Platão e a Teologia Platônica, em cujo prefácio diz que este tratado é "um elogio não só de Platão, senão também daqueles que o sucederam na tradição filosófica". Proclo aparece assim como aquele que dá depoimento dessa tradição, realizando uma síntese do pensamento de todos os que foram seus transmissores ao longo do tempo, e que tanto influíram nos primeiros representantes do esoterismo cristão, como Clemente de Alexandria, Orígenes, Lactâncio, Dionísio Areopagita e Máximo, o Confessor, todos eles embebidos das idéias platônicas e herméticas.

Mas é importante sublinhar que a escola de Alexandria, e as que se criaram sob sua influência, se tomarão como o modelo das que surgiram em Bizâncio, na Idade Média (Toledo, Chartres e Oxford especialmente) e no Renascimento, começando pela Academia Platônica de Florença, onde sob a direção de Marsílio Ficino se traduziu do grego ao latim todo o Corpus Hermeticum, Platão, Proclo, Jâmblico e a praticamente todos os filósofos alexandrinos, feito este fundamental para que a "corrente áurea" continuasse viva na cultura de Ocidente, prolongando-se até nossos dias.

 
 
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